Hoje é Natal. Vinte e cinco de dezembro. E eu já estou desde a semana passada pensando sobre o ano que quase passou. Dá um certo medo de falar sobre 2016 antes que ele esteja de fato terminado porque tecnicamente ainda dá tempo de acontecer muitas coisas. Foi um ano sofrido pra mim. Acho que essa é a palavra que o descreve melhor. Eu sofri. E por mais que já tenha sofrido muito em outras ocasiões desta vez a dor superou tudo que veio antes. É uma experiência muito bizarra, por falta de palavra melhor, se ver tão despedaçada a ponto de não conseguir enxergar os pedaços, que dirá juntá-los de novo. Foram uns bons meses numa espécie de limbo. Eu dizia que tava passando um tempo com a Samara, no fundo do poço. Talvez a capacidade de rir da própria desgraça seja um indício de que ainda existia muita vida em mim.
Um dia, a muitos anos atrás uma amiga, canceriana de sol e alma, em uma crise muito forte disse uma frase que a gente riu muito depois, mas que nesses meses fez todo sentido pra mim. Acho que ela define a depressão. A frase era "eu não vejo mais alegria numa flor". Eu não vejo mais alegria numa flor. Eu não vi também. Eu me sentia em um episódio de Caverna do Dragão, que eles entram num lugar que tem várias dimensões e em uma das salas o chão começa a desmoronar e eles caem. Eu caí. Passei muito tempo caindo. A queda foi grande e longa. E quando eu cheguei no fundo ainda não era o fundo. Era água. Então continuei o mergulho até as profundezas. E foi lá que eu achei os pedaços perdidos.
Tudo estava muito sujo. Era um poeira densa de um lugar que não era limpo há muito tempo. Durante um tempo eu só fucei pra ver o que tinha ali. Achei várias coisas muito bem escondidas e encobertas pelo pó. Coisas que eu nem lembrava que um dia existiram. E depois da exploração veio a faxina. A parte mais difícil, trabalhosa e demorada. E durante a limpeza surge a necessidade de decidir o que fica e o que deve ser jogado fora. E eu sou uma acumuladora. Uma acumuladora em processo de recuperação, mas ainda assim muito propensa a guardar coisas. Foi um processo complicado. Mas limpando eu pude enxergar de novo os tesouros escondidos e consegui me livrar de muita tralha. Muita. A culpa é a mais difícil de jogar fora porque ela é camaleônica. Se camufla no ambiente, você acha que se livrou dela, mas quando menos espera ela surge. E aí o trabalho recomeça. É preciso capturá-la, cortar a cabeça e tacar fogo. Ela é ruim de queimar, mas com persistência dá certo.
Agora dá pra enxergar o ambiente. Muitos espaços abertos para serem preenchidos, apesar de não ter conseguido limpar tudinho. Acho que é quase impossível fazer isso. Os lugares fechados sempre juntam pó. Mas muitas coisas também ficaram e se tornaram mais claras pra mim. Ficou evidente o que me edifica. As estruturas. O que não se deve nem pode mexer. A limpeza me fez ver onde eu não posso mexer. E isso é muito importante.
Astrologica e espiritualmente meu desafio era encarar a morte. Ela apareceu em todos os oráculos que eu consultei. E foram muitos, eu sempre apelo quando nada faz sentido. Ela apareceu sob diversas formas. Todas terríveis. E eu fui obrigada a me reconciliar e admiti-la como parte do ciclo. Necessária. Como os seres decompositores da cadeia alimentar que os aluninhos estavam aprendendo. Sem decomposição não há vida nova. Tem beleza no apodrecimento; no excremento que também é adubo. Eu posso dizer que passei um bom tempo literalmente na merda. Muita merda. Eu tive que pegar a enxada e misturar tudo na terra. E quando a enxada não era suficiente teve que ser com a mão mesmo. O chão ficou fértil. Ainda não sei o que plantar de novo, mas muito do que estava murcho voltou a crescer.
E por incrível que pareça coisas bem bonitas nasceram esse ano. E um sonho bateu na minha porta na hora que eu menos esperava. E esse abençoado marte em sagitário me fez ir embora com ele de peito aberto. Foi a melhor coisa que poderia ter feito. E eu tive apoio de quem eu nem esperava. Duas surpresas. Dois presentes. Dois encontros de alma. Não faltou amor em 2016. Nem pra mim, como eu achava que seria, nem em mim. De um jeito inexplicável o que estava fadado a morrer, renasce quase diariamente, maior. Também não procuro explicação. Esse foi o aprendizado desse ano: nem tudo é possível de se racionalizar e tentar só causa ainda mais angústia.
Pode vir Saturno. Volta que eu tô pronta pra encontrar!
domingo, 25 de dezembro de 2016
Esperando o ano novo
domingo, 18 de dezembro de 2016
Nó
A angústia vem de quando em quando
E eu ainda misturo o que é seu e o que é meu
Esse aperto no peito, de onde vem?
A quem pertence?
É seu?
É meu?
Tontura e formigamentos
Cadê o motivo?
O que é esse ruim que vem tomando conta de tudo?
Que preenche todos os espaços de vazio
E dor
Aqui ou aí?
Só sei que aqui eu sufoco
Só
Vida
A morte ronda
Sonda
Pega na curva
Os desavisados
Que nem tão desavisados
São
A morte não poupa
Rouba
Ceifa
E abre espaço
Pro que tem de vir
A morte golpeia
Derrama sangue
Molha a terra
E brota
Viva
sábado, 3 de dezembro de 2016
Brilho
O mar
segunda-feira, 14 de novembro de 2016
Abrigo
Não existem mais lugares seguros fora
A segurança agora mora em mim
Dentro de mim
No fundo de mim ela tem lugar em uma casinha iluminada pelo sol
E uma cama fofinha
Com luz laranja
O sol é de manhã ou fim de tarde
E a noite da pra ouvir os grilos
E de manhã os passarinhos
Uns latidos ocasionais
Mas sem gritos de galinha d'Angola
As manhãs são longas
Cheiro de café
As noites de sono tranquilo
Cheiro de chuva
É a casa que eu carrego
Pra onde eu sempre posso voltar
Quando o cansaço bater
e for preciso descansar
Sobre lembranças
terça-feira, 8 de novembro de 2016
Sol
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
Sobre cheiros
quinta-feira, 3 de novembro de 2016
Os três cabelos de ouro
"Uma vez, numa noite escuríssima e trevosa, o tipo de noite em que a terra fica negra, as árvores parecem mãos retorcidas e o céu é de um azul-escuro de meia-noite, um velho vinha cambaleando pela floresta, meio às cegas devido aos galhos das árvores. Os ramos arranhavam seu rosto, e ele trazia um pequeno lampião numa das mãos. A vela dentro do lampião tinha uma chama cada vez mais baixa. O homem tinha os cabelos amarelos e compridos, dentes amarelos e rachados e unhas amarelas e recurvas. Ele andava todo dobrado, e suas costas eram arredondadas como um saco de farinha. Sua pele era tão vincada que caía em folhos do seu queixo, das axilas e dos quadris.
domingo, 30 de outubro de 2016
Sobre a sorte outra vez
sábado, 29 de outubro de 2016
Casa
a noite
antes de dormir
Assim como sinto falta da calma
do sossego
do aconchego
e da certeza
Eu tenho saudade das certezas
Eu tenho saudade de ficar
de ser recanto
de ser refúgio
Hoje eu sou só saudade
Mas amanhã quem sabe
vai chover
vai passar
sábado, 15 de outubro de 2016
Sobre a sorte, mais uma vez
Quando o sol de cada dia entrar
Chamando por você
Querendo te acordar
Vai ter sempre alguém pra receber
Dizer pra esperar
Você já vai chegar
Alguém pra olhar a casa
E alguém que regue o seu jardim
Até você voltar
E como é normal acontecer
Se num entardecer
A dor te visitar
Vai ter sempre alguém pra socorrer
Fazer o seu jantar
Dormir no seu sofá
Enquanto a noite passa por mim
Eu rego o seu jardim
Você já vai voltar
Om mani padme hung
Om mani padme hung
Om mani padme hung
Om mani padme hung
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
terça-feira, 11 de outubro de 2016
A vida em cores
Mas achava que me daria bem com a aquarela. Uma vez me disseram isso. Uma vez a muitos anos atrás. E eu só fui tentar agora. E gostei.
Ela compõe com o grafite de um jeito bonito. E ela é fluida e molha. E quando seca, você pode molhar de novo e mexer infinitamente.
Mas geralmente eu não mexo infinitamente. Os desenhos tem tido começo, meio e fim. Fim.
sábado, 8 de outubro de 2016
Sobre árvores, adeus e recomeços
ESTES, C. P. A ciranda das mulheres sábias. Rocco, 2009.
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
Esse ano por algumas vezes eu pensei se deveria ter voltado pra onde eu sempre quis ir embora. Muitas coisas morreram a partir daí, o medo cresceu feito erva daninha e tomou conta de grande parte de mim. Mas aí eu lembro desse encontro e penso que todas as vezes que eu tentei ser cética, o acaso (ou destino) me esfregou na cara sua força. Esse encontro estava marcado. E talvez o desencontro posterior, tão doído, também estivesse. Mas talvez a gente tivesse que se espalhar. E se encontrar ocasionalmente. E rir mais um pouco das desgraças. E criar mil teorias em duas horas. E comprovar mais umas várias. E lamentar a nossa separação. E concluir que vivemos uns nos outros, pra sempre, de alguma forma, juntos.
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Desenlace
Ele desamarrou a corda e disse:
- Vai. Você precisa ir.
- Ir? Por que? Eu não quero ir.
- Você tem que ir. Eu também.
- Mas a sua corda ainda tá amarrada. Tá vendo?
- Tá. Mas eu vou desamarrar. To vendo aqui como.
- Eu não quero ir sozinha. Não consigo. Vou ficar aqui esperando você. Eu posso ajudar.
- Você não pode me ajudar. Eu não posso te ajudar. Você tem que ir agora.
Ela hesitou. Tinha muito tempo que não enfrentava o mar sozinha. E a corda dele parecia muito bem amarrada. Reparando bem os nós estavam bastante apertados. Ela era uma especialista em desatar nós, até daquelas correntinhas finas que se embromavam nas gavetas. Dos novelos de lã do tricô da mãe. Era um passatempo. Uma habilidade. E se ele não conseguisse sozinho? Aquele nó com toda certeza era bem difícil de desatar. Resolveu então deixar pistas. Escreveu cartas, deixou vestígios. Muitas dicas sobre como soltar nós. E foi jogando tudo no barco dele. Mas o barco dela ia aos poucos se afastando, já que em meio a preocupação de fabricar as pistas, ela esqueceu de amarrar seu nó de novo no cais. Então teve que arranjar outros meios de enviá-las. Colocou cartas em garrafas e quando as garrafas não pareciam mais seguras, pois a distância aumentava, arranjou ajuda com golfinhos e tartarugas mensageiras. Tinha muito medo de que ele ficasse preso ali, sem conseguir soltar o maldito nó. Pra sempre.
Com o tempo ela foi tomando gosto pela escrita. E o barco foi se afastando, quase não dava pra enxergá-lo. Na verdade não dava. mas ela sabia que ainda estava lá. Ele mandava notícias de quando em quando pelos mensageiros. Elas não eram muito animadoras. Pelo que parecia ele tinha conseguido se enrolar ainda mais. E começava a ter noção da dificuldade que seria a empreitada. Ele tentava soltar mas acabava com as mãos machucadas e desistia.
Ela não sabia como ajudar. Parece que ele não estava conseguindo decifrar as pistas. Mas como? Estava tudo ali, tão explicadinho. Como ele não entendia?
E conversando com os golfinhos e as tartarugas que traziam as cartas, descobriu que os nós são diferentes pra cada pessoa. As suas instruções não serviam pra ele. Ele só havia conseguido desamarrar o nó dela, porque não havia nó. Era um lacinho, desses que puxando se dissolve facilmente. As pistas eram então inúteis para isso. Mas pensando bem, poderiam ser muito preciosas depois que ele descobrisse como se soltar, porque contavam muito sobre como viver no mar.
Assim seu coração foi ficando mais calmo. E a calma fez com que ela percebesse como o mar é bonito e quantas descobertas ela fez.
Agora já não mandava cartas, mas anotava tudo que achava interessante. Um dia as ondas poderiam trazer aquele barco e tudo estaria ali, documentado, pra ele ler quando for a hora.
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Eu que achava que era muito mais ar que qualquer outro elemento descobri que apesar de eu ter sol e ascendente em signos de ar, fazendo a contabilidade das casas e planetas tenho: 6 ares, 4 terras, 6 águas e 7 fogos. SETE casa/planetas em signos de fogo, sendo a maioria em Áries e Sagitário.
Tem muito fogo nesse mapa. Tem muita água nesse mapa. O que falta é terra (a vá nem tinha percebido risos).
A água já estava em processo de aceitação. Mas o fogo, esse vai ser o desafio da vez. Deixar queimar...
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Carlos Drummond de Andrade